sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

QUADRAR A RODA


Concepção, Encenação e Interpretação
Jens Altheimer
Concepção e construção das máquinas
Nicholas von der Borch
Desenho de luz
Jochen Pasternacki
Sonoplastia
Sérgio Henriques
Apoio ao texto
Miguel Castro Caldas
Produção
Loucomotivo — Associação Novo Circo
Um espectáculo circense-maquinal Espectáculo de novo circo que cruza dispositivos metálicos com a manipulação de bolas, máquinas obstinadas com movimentos frenéticos e efeitos especiais artesanais com um frágil universo pessoal, tanto teatral como físico.
27-Fev Pequeno Auditório 22:00

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O último imperador


Pelo
Ballet Clássico da Manchúria (China)
Música
Dmitri Shostakovich e Pyotr Ilyich Tchaikovsky
Coreografia
Ivan Cavallari
Direcção
Wang Xunyi
50 bailarinos contam a história que foi imortalizada no filme de Bernardo Bertolucci O Ballet Clássico da Manchúria (Liaoning) converteu-se numa das mais importantes companhias de ballet da China. O seu trabalho, que harmoniza o ballet clássico com as tradições chinesas e foi inúmeras vezes premiado em todo o mundo, assenta também em colaborações com prestigiadas companhias da Europa e dos EUA. Esta produção de “O Último Imperador” conta com cerca de 50 bailarinos. A história, que foi imortalizada no filme de Bernardo Bertolucci (vencedor de nove Óscares), retrata a saga de Pu Yi, último imperador da China, investido com apenas três anos. Pu Yi viveu enclausurado na Cidade Proibida até ser deposto pelo governo revolucionário, aos 24 anos.
21-Fev Grande Auditório 22:00
Quem se esqueceu.....PERDEU!
.... e temos uma portuguesa a dançar neste espectáculo.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Mamâ



Criação
Peripécia Teatro
Interpretação
Noelia Domínguez e Luís Filipe Santos (clarinetista)
Construção de marioneta
Manuel Costa Dias (Trulé)
Supervisão de manipulação
Manuel Costa Dias (Trulé)
Direcção
Ángel Fragua
Co-Produção
Peripécia Teatro e Teatro de Vila Real
Este é um espectáculo que pretende dar à luz um humor universal, belo, louco, absurdo e terno. Uma bailarina de cabaret encontra-se de esperanças, mas em situações desesperantes. É assolada por um músico que ora a persegue ora dela se escapa, guiando-a pela narrativa da sua própria gravidez. Depois do resultado positivo do teste de gravidez, a bailarina vê a sua vida profissional e pessoal transformada numa sequência de acontecimentos que se encaixariam sem dificuldade em qualquer película cómica do cinema mudo ou num palco de salão de vaudeville. São circunstâncias vividas pela grande maioria das grávidas de todo o mundo: os momentos de paixão, os problemas no trabalho, a dificuldade em arranjar dinheiro para médicos, roupa, biberões, os pesadelos provocados pela ansiedade e o momento em que a alegria e a dor se juntam para as tornar definitivamente mamãs.
20-Fev Pequeno Auditório 22:00

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

PONTE MEDIEVAL DE IZEDA


Fotos de Abel M. Queirós

ponte (...) “romana”, a Ponte de Izeda, alçada sobre o rio Sabor entre esta freguesia e a vizinha Santulhão (esta já pertencente a Vimioso), é um magnífico exemplar de arquitectura pontística, com seus múltiplos arcos e perfil “em cavalete”. Dotada de quatro talha-mares (que sobem até à altura do fecho dos arcos, mostrando um perfil arredondado a montante e agudo nos voltados e jusantes), a estrutura de alvenaria, em rocha xistosa da região apresenta um amplo arco central bastante aberto e mais quatro outros arquetes (dois de cada lado), estes já levemente apontados e de tamanhos desiguais. Sendo uma construção de fábrica inequivocamente baixo-medieval, esta ponte mostra-se estreita e dotada de guardas, sob a forma de muretes de topo abaulado).
Fonte: Câmara Municipal de Bragança

XXIXª FEIRA DO FUMEIRO


29º Feira do Fumeiro de Vinhais
5 de Fevereiro 2009
Uma cultura gastronómica única em Portugal e a inigualável qualidade dos produtos fazem do Concelho de Vinhais a Capital do Fumeiro, levando a autarquia a uma empenhada e cuidada promoção da "Feira do Fumeiro" que ano após ano se realiza no segundo fim-de-semana de Fevereiro.
A Feira do Fumeiro de Vinhais é um evento que se realiza desde 1981, sendo que esta já é a 29º edição do certame que decorre do dia 5 a 8 de Fevereiro.
Participam na feira mais de 130 produtores de fumeiro, dos quais vinte são Cozinhas Regionais de Fumeiro e cinco são indústrias, mas todos eles primam por apresentar um fumeiro de excelente qualidade, confeccionado a partir de porcos autóctones da região. Salpicões, chouriças de carne, butelos, alheiras, chouriços azedos, chouriças doces e presuntos, são os produtos que podem encontrar no Pavilhão do Fumeiro, todos eles com marca de Certificação atribuída pela União Europeia, como Indicação Geográfica Protegida (IGP).
Mas mais do que comprar o genuíno Fumeiro de Vinhais, feito com a carne do porco de raça bisara, podemos também degustá-lo numa das muitas Tasquinhas existentes no recinto da feira e que confeccionam apenas pratos regionais. Também os restaurantes oficiais da feira optam por estas ementas e assim se realizam as Jornadas Gastronómicas.
A feira conta com um vasto programa de actividades, nomeadamente, exposições, concursos e espectáculos de animação com grandes concertos de música portuguesa à noite e durante o dia com Festival de folclore, Festival de Bandas de Música e actuações de pequenos grupos locais.
www.feiradofumeiro.com

Olaria de Bisalhães


«A olaria [de Trás-os-Montes], arte incomparável, dotada de memória admirável, que mantém sem estampas, sem guia, vivendo ao desamparo, com uma simples iniciação patriarcal na família, as mais puras tradições de uma arte ancestral que enfeitiça e seduz o crítico mais exigente».
Joaquim de Vasconcelos, 1908

Inaugura-se no próximo dia 4 de Fevereiro, pelas 21h30, no Museu da Vila Velha a exposição “Olaria de Bisalhães: rostos de barro preto”.

Esta exposição é um dos elementos de um projecto abrangente, realizado em parceria entre o Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real, o Museu de Alberto Sampaio (Guimarães) e o Museu de Olaria (Barcelos), sendo comissariada pelos directores das três instituições.
O projecto inclui, para além da já referida exposição, a realização de um videograma, a aquisição de colecções de olaria, a sua inventariação e estudo e, ainda, a edição de um caderno de exploração pedagógica, material de divulgação e de um catálogo bilingue.
“A louça preta de Bisalhães/The Black Pottery of Bisalhães” é o título da obra que inclui texto de Isabel Fernandes (Directora do Museu de Alberto Sampaio), catálogo de peças elaborado por Patrícia Moscoso, e análise química de louça por Fernando Castro. Trata-se de uma co-edição entre os municípios de Vila Real e de Barcelos.
A exposição ficará patente até o dia de São Pedro, data emblemática para Vila Real e de importância significativa para a olaria de Bisalhães.

Ainda há pastores?


O Núcleo Regional da Quercus de Vila Real promove, com o apoio do Museu da Vila Velha, um ciclo de cinema relacionado com o Mundo em que vivemos.

Assim, decorrerá no próximo dia 7 de Fevereiro, pelas 15 horas, a terceira "Sessão de Inverno" (um ciclo que propõe a todos os interessados a exibição de um filme ou documentário, a que se seguirá um momento de debate, que se pretende dinâmico e cativante), dedicada ao filme "Ainda há pastores?", de Jorge Pelicano.

A entrada é livre, esperamos por si.

(clique
aqui ou na imagem para a ampliar).

Intercâmbio ciêntifico e cultural


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

História da gancha de S. Brás





As Ganchas de S. Brás são uma espécie de rebuçado, também originários de Vila Real. De cariz popular, a lenda tem como protagonista S. Brás, bispo do séc. IV, orago dos sofredores, dos males do foro oral e otorrino.

Conta-se então, que o santo fez o milagre de curar, apenas com as mãos, uma criança que agonizava com uma espinha atravessada na garganta, sendo a partir daqui venerado como protector.

A Gancha está sujeita a várias interpretações, pode ser encarada como o ícone do báculo bispal, como espátula para chegar até à garganta, como artifício para facilitar o lidar com as crianças enfermas, como uma espécie de remédio balsâmico, com mel, ervas e outros unguentos, para aliviar a garganta.

A 3 de Fevereiro celebra-se uma festa, em sua honra, na capelinha de S. Dinis, em Vila Real. A tradição da dualidade Pito - Gancha, estabelece-se e a retribuição acontece.

Um misto de cunho histórico e de brejeirice são ingredientes que cozinham delícias doces, para almas doces!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Homenagem a Miguel Torga

Em Maio de 2007 guardei dezenas de fotos nos meus arquivos sobre Miguel Torga, e agora chegou a hora de partilhar algumas, neste blog. As fotos referem-se a uma exposição bio-bibliográfica inédita sobre o autor transmontano, que mostrou, pela primeira vez, um conjunto notável de documentos e de objectos do escritor nunca antes expostos, como, por exemplo, material iconográfico e escultórico, documentos pessoais, as primeiras edições dos livros do autor, alguns dos raríssimos manuscritos de poemas e de contos, cartas e depoimentos do escritor em suporte áudio e vídeo.





























sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O CAÇADOR



O CAÇADOR
Miguel Torga

"Os Novos Contos da Montanha"

Trôpego, o Tafona já não chegava às perdizes da Cumieira. Por isso, arrastava-se até Pedralva e caçava de espera. Caíam rolas no cedo, uma lebre ou outra pelo ano adiante, e coelhos quase sempre. No defeso, fornecia a casa e a barriga sem fundo do compadre Frederico; no tempo da permissão, vendia-lhe a Joana Benta as cabeças na Vila.
- Veja vossemecê... - dizia ele, a contratar o preço. - Eu sei lá!...
Com oitenta e cinco anos, a vida fora-lhe sempre estranha como se a não tivesse conhecido. Casara, tivera filhos, mas nada disso o tocara por dentro. Virgem e selvagem na alma, continuava a caçar, e só embrenhado entre giestas e urgueiras é que ouvia, se ouvia, os clamores da mulher e o ganido das crias.
Saía cedo, sempre supersticioso das menstruações da Camila, a vizinha do lado, que lhe mudavam a direcção do chumbo, e regressava altas horas da noite, colado ao granito das paredes, e assim escondido dos olhos curiosos da povoação.
- Por onde andaste?
- A pobre da Catarina, a princípio, ainda tentou encontrar naquele destino pontos de referência em que pudesse firmar-se. Mas as respostas vinham tão vagas, tão distantes, que se atirou às leiras e deixou o homem às carquejas. Não era que ele mesmo enredasse os caminhos e despistasse conscientemente a companheira. As peripécias da caça e a cegueira com que galgava os montes é que o impediam à noite de relatar o trajecto seguido. Se quisesse e soubesse dizer por que trilhos passara, falaria de veredas e carreiros que nunca conhecera, descobertos na ocasião pelo instinto dos pés e rasgados no meio de uma natureza cósmica, verde como uma alucinação, com alguns ramos vistos em pormenor, por neles pousar inquieto um pombo bravo ou se aninhar, disfarçada, uma perdiz. Ás vezes até se admirava, ao regressar a casa, de tanta bruma e tanta luz lhe terem enchido simultaneamente os olhos. Serras a que trepara sem dar conta, abismos onde descera alheado, e um toco, um raio de sol, o rabo de um bicho, que todo o dia lhe ficavam na retina. É claro que nem sempre as horas eram assim. Algumas havia de perfeita consciência, em que nenhum pormenor da paisagem lhe escapava, as próprias pedras referenciadas, aqui de granito, ali de xisto. Mas, mesmo nessas ocasiões, qualquer coisa o fazia sonâmbulo do ambiente. Era tanta a beleza da solidão contemplada, despegava-se das serranias tanta calma e tanta vida, os horizontes pediam-lhe uma concentração tão forte dos sentidos e uma dispersão tão absoluta deles, que os olhos como que lhe abandonavam o corpo e se perdiam na imensidão. Simplesmente, essa diluição contínua que sofria no seio da natureza não excluía uma posse secreta de cada recanto do seu relevo. Uma espécie de percepção interior, de íntima comunhão de amante apaixonado, capaz de identificar o panasco de Alcaria pelo cheiro ou pelo tacto. A caça fora a maneira de se encontrar com as forças elementares do mundo. E nenhuma razão conseguira pelos anos fora desviá-lo desse caminho. A meninice começara-lhe aos grilos e aos pardais, a juventude e a maioridade passara-as atrás de bichos de pêlo e pena, e agora, velho, as contas do seu rosário eram meia dúzia de cartuchos que, sentado, ia esvaziando no que aparecia. E a vida, a de todos os dias e de toda a gente, com lágrimas e alegrias, ambições e desalentos, ficara-lhe sempre ao lado, vestida de uma realidade que não conseguia ver. A aldeia formigava de questões e de raivas, e ele coava-lhe apenas a agitação de longe, vendo-a fumegar na distância, ao anoitecer, e acariciando-a então num cansaço doce e contemplativo.
- Casou a Dulce...
- Ah, sim?...
Ouvira, de facto, imprecisamente, a voz do sino grande chegar repenicada e festiva ao Falição, mas o seu espírito não pudera nesse momento, nem podia agora, descer da nuvem de abstracção que o envolvia.
- Muito bonita ia o demónio da rapariga!
Humana, mulher, a Catarina tentava chamá-lo a uma consciência que reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos. Nada. O pensamento dele não estava ali: perdia-se nos projectos do dia seguinte, já cheio do rumor alvoroçado do bando de perdizes que sabia ir levantar da cama ao romper da manhã.
- Morreu a Palhaça...
- Ah, morreu?
E continuava a dar à manivela do rebordador, encontrando no cartucho, túmido como uma semente, não sabia que verdade mais profunda e mais transcendente do que aquela morte.
A velhice e o reumatismo tentaram com toda a brutalidade metê-lo noutros varai. Mas ele lutava, e, embora limitado às cercanias da aldeia, continuava ainda a sonhar.
Contudo, sem a liberdade absoluta dos longes, o seu espírito já não podia voar como dantes. A povoação ficava-lhe demasiado perto para lhe ser possível um alheamento como o de outrora. E os olhos, cansados e traídos, começaram a mostrar-lhe o mundo triste dos outros. Contra vontade, observava, então. Mas em casa, à noite, a mulher punha o acontecido a uma luz tão desconforme com o que ele vira, tão alheia à sua compreensão, que fechava a boca e não respondia.
- Os Canedos berraram...
- Eu vi...
- A cunhada chamou curta à Ana... O que ouvira eram gritos, evidentemente, insultos, com toda a certeza, mas nomes assim... E uma tristeza muda apertava-lhe o coração.
- Um roubo em casa do Antunes...
- Bem me pareceu...
- Batatas, trigo, muita roupa, um presunto...
Quase que surpreendera o Rodrigo e a mulher com a boca na botija, e sabia que não, que o que esconderam na mina velha, e pudera examinar à vontade, era uma sombra daquilo. De maneira que cada vez se metia mais consigo, com medo do vidro de aumento que deformava tudo e envenenava os sentimentos. Porque uma coisa sabia ele: é que quase um século de caça não lhe endurecera nem lhe empeçonhara a alma. Matara, sim, e matava ainda, se podia, mas não era com ódio, a gritar maldição, que o tiro partia. Mais amorosamente do que mortalmente, o dedo premia o gatilho. E quando, a seguir, a lebre esperneava ou a codorniz gemia, a sua mão aligeirava docemente aquela agonia, numa carícia aveludada. Entre o sangue de perdiz morta - que através do cotim da calça, morno, lhe acordava a consciência da pele - e o seu próprio sangue, não havia o muro de nenhuma desarmonia. A morte que a arma fazia tinha no mesmo instante uma ressurreição dentro dele.
Mas a aleluia do formigueiro humano que o rodeava era outra.
- A Rosária a falar em moralidade! Se reparasse na filha...
- A Matilde? que fez ela?
- Nem tu sabes!
Palavra, que não sabia. Atravessara os anos como um duende, puro, alheio à raiva e à ganância, inocente, pronto a comover-se diante da primeira flor. Uma virtude, sobre todas, conservara sempre: a da lisa naturalidade. E por isso, no meio da incapacidade que sentia para entender o tecido de razões com que era feito o mundo que o cercava, a malha que menos o prendera era aquela onde se debatiam forças e gestos de amor. O cio, a brisa de sémen que agitava todos os seres vivos durante alguns dias em cada ano, sabia-lhe à frescura de uma onda sagrada. Então, oleava e arrumava a arma, e os seus olhos, de caçador ainda, seguiam a revoada do casal de melros, o trajecto de um coelho, as pegadas da raposa, mas para os acompanharem comovidos naquela dádiva sensual e procriadora.
Infelizmente, só ele é que entendia de uma maneira assim inocente as coisas que tinham intimidade de ninho e calor de seiva. Porque a aldeia, que olhava compreensivamente as reses alevantadas, diante de uma rapariga cega de amores erguia-se como se visse um crime.
- Ela e o Avelino parecem cães à cainça.
- E que mal há nisso? Maiores e vacinados, que tinha que ver o mundo com o que o corpo lhes pedia? Mas os pais, aqui-del-rei que os enforcavam se olhassem sequer um para o outro, e a terra inteira aplaudia. Acontecia ainda que o Travassos, todo lá da mãe da rapariga, punha em semelhante martírio a sombra de uma perseguição.
De fora, mas infelizmente não de tão longe como desejava, o Tafona assistia à cena. Sentado à sombra da nogueira molar, e perto da poça onde vinham beber, esperava as rolas. E lá em baixo, na veiga, o seu olhar cansado ia acompanhando a comédia. A cachopa, de molho à cabeça, a passar na Silveirinha; o rapaz a deixar a rabiça na lavrada e a sair-lhe ao caminho; e o esqueleto de o Travassos, abelhudo e ciumento, a correr a avisar as famílias.
Via e ficava a malucar naquilo, no contra-senso de tudo e de todos. Pois não seria melhor, mais justo, mais humano, deixá-los juntarem-se livremente, à lei da natureza? Contudo, daí a nada, a rapariga ia a toque de caixa pelo Teixo abaixo, e o rapaz retomava o arado a ouvir berros do pai.
- Uma pouca-vergonha... - recomeçava a Catarina à noite, depois do caldo.
- O quê?
- O que há-de ser? A Matilde e o Avelino... Se não o Travassos...
Calou-se como de costume. Decididamente, cada vez entendia menos tal mundo.
Mas as pernas atraiçoavam-no miseravelmente, e embora quisesse fugir para muito longe, tinha de se resignar às leis da idade e caçar de emboscada coelhos pacatos na vinha velho do prior.
Era um Setembro puro. Videiras que pareciam cedros e cachos com bagos como bugalhos. Manco, o Tafona, foi-se arrastando e ainda a tarde vinha a cair além-Doiro já ele estava no seu posto, sentado, imóvel e silencioso, com a arma engatilhada sobre a coxa.
Como habitualmente, quase nem respirava. Por muito inocentes que fossem os láparos, farejavam ruído a cem léguas. E o Tafona, conhecedor daqueles ouvidos, apertava os pulmões.
A espera nunca lhe dava inteira paz de espírito. Forçava-o a uma espécie de compromisso com a parte traiçoeira da vida, estremando os campos do agredido e do agressor. Entre ele e o bicho não havia, daquela maneira, um verdadeiro encontro, um embate de forças. Tudo se passava sem alegria e sem eco, choque abafado, como o de uma pinha aberta a cair no musgo.
Subitamente começou a sentir sons indistintos. Prestou atenção. Passos. Passos de gente, e grande.
- Bolas! - disse, sem abrir a boca. De facto, perdera o tempo. Para que tudo retomasse a quietude inicial e os coelhos se resolvessem a vir gozar a fresca, seriam precisas horas, e então já não teria luz.
Os passos eram da Matilde, sorrateira, a saltar um bardo e a sumir-se na vinha.
- É boa!... - murmurou outra vez intimamente, agora noutro tom.
Mas ainda o seu espanto não acabara, já o Avelino, do lado do monte, lépido, deslizava para o meio da ramagem.
Riu-se. Desta vez riu-se com a sua mansidão habitual, sem barulho, enternecidamente, como se estivesse nos velhos tempos e visse no azul do céu dois pintassilgos a voar para o mesmo ninho.
Infelizmente, os namorados a desaparecerem, e sobre eles, de nariz no rasto, numa perseguição de rafeiro, o Travassos que, por acaso, caminhava direito à arma do caçador.
O Tafona nem teve tempo de pensar. Parou a respiração e encolheu-se quanto pôde atrás do esconderijo.
O abelhudo vinha apressado e chegou a tiro.
- Alto lá! - ordenou-lhe então, sereno, mostrando o corpo.
O Travassos estacou, apalermado. Por fim viu quem era e falou-lhe:
- Sou eu, ó ti Zé!
- Bem sei. Mas não te mexas.
- O Travassos, ti Tafona. Deixe-me ir salvar a infeliz!
A tremer e de olhos esgazeados, o zeloso coscuvilheiro não conseguia perceber. Mas o Tafona tinha-lhe friamente a espingarda endireitada ao peito, e ninguém da aldeia confiava na alma solitária do caçador.
- Alto, e nem tugir nem mugir! Aquelas coisas querem-se na paz do Senhor.